Superior Tribunal de Justiça - STJ.
HABEAS CORPUS Nº 40.101 - SP (2004/0172481-3)
RELATOR: MINISTRO NILSON NAVES
IMPETRANTE: VALÉRIA ANTONIAZZI PINHEIRO ROSA DE CASTRO - PROCURADORIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
IMPETRADO: TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL DE FÉRIAS JULHO/2004 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE: LUCIANO JOAQUIM DOS ANJOS (PRESO)
EMENTA
Medida de segurança. Tratamento ambulatorial/internação (conversão).
1.Não se justifica a conversão do tratamento ambulatorial em internação se não há prova da incompatibilidade do agente com a medida de segurança.
2.Em caso de não se ter submetido o paciente ao tratamento, é recomendável, em razão do tempo decorrido desde o evento, o restabelecimento da medida, devendo, no entanto, o agente ser submetido, desde logo, a exame pericial para verificação da cessação de sua periculosidade.
3.Habeas corpus deferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Fará declaração de voto o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.
Brasília, 22 de março de 2005 (data do julgamento).
Ministro Nilson Naves
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Foi o paciente processado pelo crime previsto no artigo 121, parágrafo segundo, incisos I e IV, c/c o artigo 14, inciso II, do Cód. Penal, tendo sido, desde logo, absolvido; conseqüentemente, foi-lhe imposta medida de segurança - sujeição a tratamento ambulatorial.
Em virtude do seu não-comparecimento para o cumprimento da medida, o magistrado determinou conversão do tratamento ambulatorial em internação, in verbis:
"Ao que se infere da análise dos autos, não se logrou encontrar o sentenciado Luciano Joaquim dos Anjos para que fosse intimado a comprovar sua submissão ao tratamento ambulatorial imposto no Processo nº 3.656/97, da 1ª Vara do Júri da Capital, frustrando-se as tentativas de localização no endereço de que se dispõe (fls. 10) e no Hospital indicado por sua irmã (fls. 18).
Configurada, portanto, a incompatibilidade a que alude o artigo 184 da Lei nº 7.210/84, pelo que converto a medida em internação, por período não inferior a 1 (um) ano.
Expeça-se o devido mandado de captura e, com a notícia do cumprimento, requisite-se ao Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário a designação de data para submissão do sentenciado a exame pericial de avaliação de periculosidade."
Denegou-lhe a ordem de habeas corpus o Tribunal de Justiça, daí o pedido endereçado ao Superior Tribunal. Aduz, em resumo, a impetrante o seguinte: (I) "medida de segurança não é pena, e sim medida acauteladora contra indivíduos, que objetiva pessoas anômalas, e a sua duração está subordinada à permanência de periculosidade"; e (II) "falando-se especificamente do caso em questão, passaram-se quase 07 (sete) anos da ocorrência do delito, sem que tenha ocorrido nenhum sinal de permanência de periculosidade, logo, a medida de segurança imposta perdeu seu objeto, ou seja, pode-se presumir como inexistente a periculosidade do paciente".
O pedido aqui chegado é no sentido de ser "determinado o imediato encaminhamento do sentenciado para submissão ao exame de cessação de periculosidade, eis que, sabidamente, a vaga em nosocômio paulista está subordinada a uma lista que pode demorar até anos".
Parecer pela concessão da ordem.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): O parecer do Ministério Público Federal, da lavra da Subprocuradora-Geral Deborah Macedo, é de seguinte teor:
"Trata-se de habeas corpus impetrado com o propósito de que seja declarada extinta a medida de segurança imposta ao paciente ou, sucessivamente, sua imediata submissão a exame de cessação de periculosidade.
Narra a impetrante que o paciente, processado por infração ao artigo 121, parágrafo segundo, II e IV, c/c o artigo 14, II, todos do CP, veio, ao final, a ser absolvido por inimputabilidade, com imposição de medida de segurança consistente em tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de um ano. A sentença transitou em julgado em 19/8/2002. Como o paciente não foi encontrado para o início do tratamento, o juízo da execução determinou a expedição de mandado de prisão contra o mesmo, convertendo, ainda, o tratamento ambulatorial em internação, por idêntico período de tempo. O mandado de prisão foi cumprido, e o paciente encontra-se recolhido no 4º Distrito Policial de São Paulo, à espera de agendamento ou internação em hospital psiquiátrico para se submeter a exame de cessação de periculosidade.
No entender da impetrante, a medida de segurança deveria ser declarada extinta, posto que decorridos quase sete anos do fato delituoso sem que tenha ocorrido nenhum sinal de persistência da periculosidade. Invoca, a favor de sua tese, o artigo 97, parágrafo terceiro, do CP, a ser aplicado analogicamente. De todo modo - prossegue - é ilegal a decisão de determinar a internação do paciente, porque não amparada em necessidade curativa, mas em critério meramente punitivo. Contesta, por fim, a permanência do paciente em estabelecimento prisional.
A instância precedente concluiu pela inaptidão do habeas corpus para a análise da questão relativa à extinção da medida de segurança, por demandar principalmente a produção de laudos periciais, e teve por legítima a determinação de prisão do paciente. Aparentemente, também deu respaldo à conversão do tratamento ambulatorial em internação.
Postos assim os fatos, passemos ao seu exame.
A extinção de medida de segurança pressupõe a cessação da periculosidade do agente, dado este ser aferido necessariamente mediante perícia médica (artigo 97, parágrafo primeiro, do CP). O só transcurso do tempo, sem essa avaliação, em nada repercute na medida de segurança, que, por sua própria natureza, não tem tempo determinado de duração. De modo que não há lugar para meras conjecturas no que diz com esse assunto. O dispositivo legal invocado pela impetrante não tem pertinência, pois está a tratar de momento posterior à desinternação ou à liberação, ambas pressupondo anterior perícia médica afirmando a cessação da periculosidade.
No entanto, em tudo o mais nos parece equivocado o juiz da execução.
A uma, ao determinar a conversão do tratamento ambulatorial em internação, com suporte no artigo 184 da LEP. Referido dispositivo, como bem observa a impetrante, tem por finalidade o aspecto curativo que informa a medida de segurança. É estranha a essa medida qualquer noção de punição. Não se fazendo presente a finalidade curativa da internação - expressamente imposta como pena pelo fato de o paciente não ter se apresentado para o início do tratamento e apenas localizado bem tardiamente - a decisão do juiz da execução ofende a coisa julgada.
A duas, ao manter o paciente preso desde 31/8/2004 (fl. 30), no aguardo de vaga em hospital psiquiátrico (fl. 28). A providência é absolutamente arbitrária, lembrando que essa Corte Superior repudia inclusive o cumprimento de pena em regime mais severo do que aquele fixado por sentença. O que dirá a prisão de um inimputável.
Por fim, considerando o lapso de tempo já transcorrido desde a data do fato delituoso e mesmo do trânsito em julgado da sentença, parece-nos razoável que o paciente seja submetido a exame de verificação de cessação de periculosidade antes do cumprimento da medida de tratamento ambulatorial. Nesse sentido a posição histórica desse Tribunal, verbis:
'Processual Penal. Inimputável. Medida de Segurança. Crime. Bagatela.
- Internação hospitalar. Recomendação de condicionar-se o cumprimento da medida a prévia realização do exame de verificação da cessação da periculosidade, tudo em função do tempo decorrido desde o evento criminoso. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.'
Assim sendo, opinamos pela concessão parcial da ordem, a fim de que, restabelecida a medida de tratamento ambulatorial, seja o paciente imediatamente submetido a exame pericial para verificação da cessação de sua periculosidade, com a observação de que eventual atraso na adoção dessa providência não justificará seja o réu mantido em cárcere."
Acolho o parecer. Em conseqüência, concedo a ordem (trata-se de pedido sucessivo) a fim de restabelecer o tratamento ambulatorial, devendo o paciente ser submetido, desde logo, a exame pericial para verificação da cessação de sua periculosidade.
VOTO-VOGAL
O EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO: Senhor Presidente, habeas corpus contra o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, denegando writ impetrado em favor de Luciano Joaquim dos Anjos, manteve a decisão que determinou a conversão da medida de segurança de tratamento ambulatorial em internação, por período não inferior a um ano.
Ao que se tem dos autos, o paciente foi denunciado pela prática do delito tipificado no artigo 121, parágrafo segundo, incisos II e IV, combinado com o artigo 14, inciso II, todos do Código Penal, tendo, ao final, sido absolvido com base no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal (inimputabilidade), com imposição de medida de segurança pelo prazo mínimo de um ano em tratamento ambulatorial.
Não tendo sido encontrado para início do tratamento ambulatorial, o Juízo da Vara de Execuções Criminais de São Paulo converteu a medida em internação, com fundamento no artigo 184 da Lei de Execução Penal, determinando, ainda, a expedição de mandado de captura contra o paciente.
Diante disso, foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem, mantendo a decisão do Juízo de primeiro grau.
Daí a impetração do presente writ.
Alega a impetrante que "uma vez cessada a periculosidade, tendo em vista o longo período sem notícias de crimes ou infrações, não mais se justifica a sua aplicação, já que, neste caso, a medida de segurança, na forma da internação, evidenciaria caráter meramente punitivo e não curativo." (fl. 7).
Alega, ainda, que o paciente está a sofrer injusto constrangimento ilegal, em razão da conversão da medida de tratamento ambulatorial em internação, eis que tal medida "deve ser focada na necessidade curativa e não em critério meramente punitivo, como o que se afigura no presente caso." (fl. 9).
Pugna, ao final, pela extinção da medida de segurança, ou por que seja submetido o paciente imediatamente a exame de cessação de periculosidade.
Acompanhando o voto do Senhor Ministro Relator, concedo a ordem.
De início, está a impetrante em que a medida deveria ser declarada extinta, posto que, decorridos quase sete anos do fato delituoso sem que tenha ocorrido nenhum sinal de persistência da periculosidade, não subsistem os motivos que ensejaram a aplicação da medida.
É da letra do artigo 97, parágrafo primeiro, do Código Penal:
"Parágrafo primeiro - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
Tem-se, assim, que a verificação da cessação da periculosidade requisita, obrigatoriamente, a realização de exame médico pericial, o qual não foi realizado no caso dos autos, não havendo, pois, que se falar em extinção da medida de segurança imposta.
Passo seguinte, configurado está o constrangimento ilegal sofrido pelo paciente, eis que a conversão da medida de segurança de tratamento ambulatorial em internação foi determinada, exclusivamente, pelo fato dele não ter sido encontrado para início da execução da medida.
A respeito, dispõe o artigo 184 da Lei nº 7.210/84:
"Art. 184. O tratamento ambulatorial poderá ser convertido em internação se o agente revelar incompatibilidade com a medida."
A fim de proceder tal conversão, deve o Juízo ter em suas mãos elementos suficientes que indiquem a incompatibilidade do tratamento ambulatorial com o objetivo da medida de segurança, o que não restou evidenciado no caso dos autos, em que a decisão foi pautada em critério meramente punitivo.
Por fim, diante do considerável lapso de tempo transcorrido entre a prática delituosa e o início da execução da medida, sem que tenha havido qualquer notícia de reiteração de conduta criminosa por parte do paciente, é razoável que seja ele submetido incontinenti a exame de cessação da periculosidade, para fins de extinção da medida, se for o caso.
Pelo exposto, concedo a ordem, para restabelecer o tratamento ambulatorial e, ainda, para determinar a imediata submissão do paciente a exame de cessação da periculosidade.
É O VOTO.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA
Número Registro: 2004/0172481-3
HC 40101/SP
MATÉRIA CRIMINAL
Números Origem: 36561997 365697 4622343 543021
EM MESA
JULGADO: 22/03/2005
Relator
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO GALLOTTI
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. ZÉLIA OLIVEIRA GOMES
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE: VALÉRIA ANTONIAZZI PINHEIRO ROSA DE CASTRO - PROCURADORIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
IMPETRADO: TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL DE FÉRIAS JULHO/2004 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE: LUCIANO JOAQUIM DOS ANJOS (PRESO)
ASSUNTO: Penal - Crimes contra a Pessoa (art.121 a 154) - Crimes contra a vida - Homicídio (artigo 121) - Tentado
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Fará declaração de voto o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido."
Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.
Brasília, 22 de março de 2005
ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário
DJ: 31/03/2008
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